quarta-feira, 10 de outubro de 2012

"Porque não deves ir sempre na cola"

Porque não deves ir sempre “na cola”1
Daniel Marinho, António José Silva
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real


Já deves ter experimentado a sensação de nadar imediatamente atrás de um colega durante o treino. Com certeza, reparaste que a tarefa de treino se torna bastante mais fácil quando comparado com as situações em que tens que ser tu a liderar a pista de treino.
No campo desportivo, todas as situações em que um atleta se desloca imediatamente atrás de um outro são denominadas de drafting. Esta situação pode ocorrer em vários desportos, nomeadamente, no ciclismo, no atletismo, no triatlo, na natação de águas abertas, … Apesar das situações de drafting não ocorrerem de uma forma tão pronunciada em natação pura desportiva pelo facto dos nadadores se deslocarem cada um em pistas independentes, esta situação ocorre com muita frequência durante o treino dos nadadores. Efectivamente, por razões de limitação de espaço e de tempo, vários nadadores treinam simultaneamente na mesma pista, o que pode provocar situações de drafting.
Com este pequeno artigo, pretende-se chamar a atenção dos nadadores para o efeito que o nado em situação de drafting pode provocar no arrasto hidrodinâmico2 sofrido pelo nadador que se desloca atrás e, por conseguinte, o efeito que pode ter na intensidade do seu esforço.
Para concretizar este objectivo, foi simulado num programa computacional o nado de dois nadadores em situação de drafting, utilizando-se distâncias entre eles de 0,5m até 8m.
Numa situação em que um nadador se desloca com uma distância mínima de 0,5m do da frente, foi encontrado um valor médio no arrasto hidrodinâmico de aproximadamente metade, quando comparado com o arrasto sofrido pelo 1º nadador. Por outro lado, à medida que a distância entre os dois nadadores vai aumentado, a força de arrasto sofrida pelo 2º nadador tende a aproximar-se do valor encontrado para o nadador da frente.
Quando os nadadores se encontram a 6m de distância, o arrasto sofrido pelo 2º nadador ainda é apenas 85% do sofrido pelo nadador que lidera, o que nos parece um dado significativo, pois esta é uma distância que à partida seria aceitável para separar os nadadores na mesma pista.
O passo seguinte do nosso trabalho foi verificar a que distância de nado é que os nadadores se encontravam nas mesmas condições de treino. Assim, através de procedimentos matemáticos e para uma velocidade de nado de 1,6 m/s (equivalente a realizar 1’02’’50 a cada 100m), foi encontrado o valor de aproximadamente 8m.
Esta situação significa que apenas quando o nadador detrás se encontra a pelo menos 8m de distância do nadador da frente é que ambos se encontram nas mesmas condições de treino. Apenas a 8m de distância é que os dois nadadores estão a sofrer o mesmo arrasto hidrodinâmico, implicando portanto soluções fisiológicas e biomecânicas semelhantes para vencer esta força oposta ao deslocamento.
O teu treinador necessita de várias horas para planear o treino de acordo com o que considera melhor para ti e, com certeza, que também dedicas muitas horas à prática da natação, fazendo por vezes muitos sacrifícios para levares a modalidade que escolheste com empenho. Desta forma, parece-nos que não fará muito sentido não aproveitares o treino ao máximo e isto passa por cumprires as tarefas de acordo com o que é indicado pelo treinador.
Para tal, realizar todas as tarefas de treino “na cola” de um colega ou sair da parede com uma intensidade muito elevada para se encostar ao nadador da frente e, então sim, abrandar o ritmo seguindo atrás dele, não nos parecem as opções mais acertadas. Se não vejamos: se um nadador “na cola” sofre apenas metade do arrasto sofrido pelo 1º nadador, é de esperar que o “esforço” realizado por ele seja também metade do esforço do colega que lidera a pista. Portanto, se estes dois nadadores apresentarem um nível de rendimento semelhante, apenas um deles se encontra efectivamente a cumprir a tarefa indicada pelo treinador, visto que o da frente se desloca com uma intensidade de esforço duas vezes superior. Mesmo a 6m de distância, uma diferença de menos 15% ainda nos parece significativa, pelo que tu, enquanto nadador interessado em melhorar os teus resultados, deverás ter consciência desta situação. Sempre que for possível deves também tentar liderar a pista. É evidente que esta situação pode não ser fácil de cumprir, pelo que os nadadores que lideram cada uma das pistas têm que ser seleccionados com algum cuidado por parte dos treinadores. Assim, pelo menos, os nadadores devem evitar “colar-se” ao colega da frente durante as tarefas de treino, tentando manter sempre que possível uma distância de saída de pelo menos 8m em relação ao colega anterior, minimizando ao máximo os efeitos “negativos” do drafting.
Com este artigo tentámos chamar a atenção dos efeitos que a situação de drafting pode provocar sobre os nadadores, levando-os a tomarem consciência desta situação, que, de certeza, já te apercebeste durante o treino. Antes de finalizarmos, gostaríamos de referir que, apesar dos efeitos biomecânicos do drafting descritos, que poderão ser negativos, não queremos dizer que não haja aspectos que podem ser benéficos para os nadadores.
Aceitamos perfeitamente que as situações de drafting possam ser utilizadas como factor motivacional acrescido para o nadador que segue atrás, e que, por vezes, podem e devem ser utilizadas. Torna-se então importante que estas situações sejam criteriosamente pensadas e que não se tornem prática habitual no treino devido aos aspectos relatados neste pequeno artigo.
1 Este artigo foi elaborado com o objectivo de chamar a atenção dos nadadores para uma situação particular do treino, pelo que foi utilizada uma linguagem mais simples, reduzindo-se ao máximo a explicação dos procedimentos metodológicos utilizados. Porém, informações mais detalhadas poderão ser encontradas em:
Marinho D, Silva A, Rouboa A, Sousa L, Leal L, Alves F, Reis V, Vilas-Boas JP, Machado L, Garrido N, Carneiro A, Moreira A (2006). A utilização da dinâmica computacional de fluidos no estudo do drafting em natação. Actas do XXIX Congresso Técnico-Científico da APTN. Santa Maria da Feira.
2 Força hidrodinâmica, oposta ao deslocamento, a que o nadador é sujeito quando se desloca no meio aquático.

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