quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Nadadoras de Costas Largas

Texto in Federação Portuguesa de Natação
10 DE SETEMBRO DE 2008 - NATAÇÃO PURA

J. Paulo Vilas-Boas
Professor da Universidade do Porto
Vice-Presidente da Federação Portuguesa de Natação

Num domingo de há um mês, em 10 de Agosto último, em pleno decurso das magníficas competições olímpicas de natação, os escritos de um antigo cronista de referência nacional chamaram-me a atenção. Com título inspirado (As natatórias bexigosas, Revista J, 101: 66), dissertava acerca da morfologia das nadadoras olímpicas com um fraseado carregado de bom gosto. Rearranjando as palavras no pouco que lhes sobrava de sumo, era dito: as nadadoras olímpicas têm costas tão largas que os ombros, de tão distantes, deixaram de falar um com o outro; uma autêntica parede de músculo de boi, ainda que de frente pareçam homens normais, a tentar sacrificadamente, através de uma nova arquitectura corporal, serem boas nos desportos em que os homens serão sempre melhores. Superior!...
À parte o desgosto face à inexorável decadência humana, sobrou-me daquela leitura a consciência de que há quem pense, mesmo entre os obrigatoriamente mais esclarecidos, que a natação poderá fazer com que as mulheres, de tanto se exercitarem dentro de água, se masculinizem. Lembrei-me ainda de alguém que me disse um dia que não queria a sua filha na natação para que não viesse a “ficar com as costas largas”. Percebi então que era urgente ajudar a esclarecer um mito pouco edificante e ainda menos consequente. É que, não é verdade! Não é verdade que, afora as tristemente célebres histórias de dopagem anabolizante, a natação masculinize as suas praticantes do sexo feminino. Só pensa assim quem não frequenta as piscinas, por mais que a compressão corporal selectiva promovida pelos novos fatos de competição reduza a mais ou menos exuberante protuberância do peito, das nádegas e das coxas.
É verdade que a natação, por ser uma modalidade desportiva que exercita de forma particularmente intensa os membros superiores e o tronco, tende a hipertrofiar a respectiva musculatura e que essa, quando verdadeiramente “em forma”, tende a revelar perímetros braquiais mais vastos, diâmetros biacromiais aumentados, pescoços mais robustos e músculos do tronco mais definidos. De resto, passa-se a mesmíssima coisa com os membros inferiores. Acontece, porém, que este efeito não transforma as nadadoras em homens e muito menos lhes “deforma” as costas para além do que o efeito (reversível) da “musculação” determina.
O que se passa na realidade é algo de muito mais interessante e de que não sobra a culpa para a natação e para o desporto. Pelos caprichos da genética, algumas mulheres tendem a manifestar uma tendência para desenvolver ombros largos e pélvis estreita, aproximando o seu morfotipo de um esteriotipo mais masculino. Essas apresentam uma configuração corporal vincadamente mais hidrodinâmica do que aquelas com uma morfologia mais “tradicionalmente feminina”, mediterrânica talvez, ganhando inequívocas vantagens desportivas após o despertar dos caracteres sexuais secundários. Daí a mais facilmente conseguirem resultados desportivos de relevo mediante o mesmo investimento de treino é um passo: um caso típico de selecção positiva no desporto; quando de meninas as nadadoras passam a mulheres, a natação escolhe as mais andróginas e nelas desenvolve uma musculatura que tende a reforçar essa conformação. Não é o contrário! A prática não nos dá a graça de transformar uma matrioska em capa da Playboy. É que uma das mais badaladas olímpicas de Pequim, a brucista americana Amanda Beard, talvez de tão afastados que estariam os seus ombros, foi recentemente vedeta daquela revista masculina. Terá, porventura, o editor padecido da mesma miopia que terá toldado o sentido estético de um dos mais célebres don juans da nossa praça, o príncipe Alberto do Mónaco, em vias de desposar uma nadadora olímpica? “Diz-me que praticantes preferes, dir-te-ei que tipo de tarado sexual és.” (entre aspas porque não é frase da minha lavra… foi Miguel Esteves Cardoso que a escreveu)

Um comentário:

António Costa disse...

Parabéns pela publicação deste artigo.
Além de ser esclarecedor vem (tenta) acabar com alguns mitos que envolvem a prática da natação, em especial, pelas raparigas.
Este Post revela que não serve, exclusivamente, para falar das actividades do Clube, mas, também, de tudo o que envolve a natação.
Excelente artigo elaborado pelo Professor Dr.º João Paulo Vilas Boas. Para além de tudo, os veteranos da natação já sentem alguma nostalgia da presença do "João Paulo" nos caís da nossa Associação.
Rapaziada responsável pelo Blog (F.M. e J.S.), para vocês (não é só "bater")MUITOS PARABÉNS, a Vossa dedicação é Incrivél.
Para vocês o clube não é só treino, mas sim, tudo aquilo que se desenrola à sua volta.
É preciso gostar mesmo muito da Natação.
Parabéns.